quinta-feira, 19 de agosto de 2010

algumas considerações 8

"Agora, porque é que nenhuma dessas caprichosas me fez esquecer a primeira amada do meu coração? Talvez porque nenhuma tinha os olhos de ressaca, nem os de cigana oblíqua e dissimulada. Mas não é este propriamente o resto do livro. O resto é saber se a Capitú da praia da Glória já estava dentro da de Matacavalos, ou se esta foi mudada naquela por efeito de algum caso incidente. Jesus, filho de Sirach, se soubesse dos meus primeiros ciúmes, dir-me-ia, como no seu cap.IX, vers.1: "Não tenhas ciúmes de tua mulher para que ela não se meta a enganar-te com a malícia que aprender de tí ". Mas eu creio que não, e tu concordarás comigo; se te lembras bem da Capitú menina, hás de reconhecer que uma estava dentro da outra, como a fruta dentro da casca. É bem, qualquer que seja a solução, uma coisa fica, e é a suma das sumas, ou o resto dos restos, a saber, que a minha primeira amiga e o meu melhor amigo, tão extremosos ambos e tão queridos também, quis o destino que acabassem juntando-se e enganando-me... A terra lhes seja leve!" Eis o capítulo do livro "Dom Casmurro" que me deixou mais emocionada ! A genialidade de Machado de Assis se reflete em cada palavra, cada vírgula, cada metáfora, cada comparação !! "Dom Casmurro", uma obra excelente, que nos encanta, a mim especialmente, pela extrema sensibilidade com que foi escrita. É difícil falar sobre a personalidade de Bentinho, do seu amor por Capitú e da sua certeza de haver sido traído por ela e seu melhor amigo; do ciúme incontrolado que o deixava cego; do filho, da grande amizade que havia entre os dois casais, da relação sempre tão afetuosa e próxima. Apesar de tudo isso, Bentinho estava realmente certo de que fôra traído pela amada de sua vida e o melhor amigo. O filho de ambos era uma cópia perfeita do amigo falecido: O riso, os gestos, a voz, tudo, até a maneira de sentar-se à mesa se transformava em prova para que as suas suspeitas se confirmassem. Até o comportamento de Capitú ante as suas acusações, a sua inércia ao recusar-se em sentir revolta, em não argumentar, não tentar provar que ele estava errado, que tudo era produto da sua imaginação o deixava cada vez mais convicto de que suas suspeitas tinham fundamento. Estranhamente, Capitú, em nenhum momento, tentou contestar as decisões que ele tomara em relação ao casamento dos dois, como se com essa atitude ela própria o estivesse ajudando a puní-la, a redimir-se. A viagem que os separaria na volta, as cartas que ela lhe escrevera posteriormente, cheias de amor e compreensão para com as atitudes do marido. Enfim, todos esses estranhos comportamentos me levam a acreditar que o filho de Capitú não era filho de Bentinho. Outro fato que me fez chegar a essa conclusão foi a estranha compreensão que Capitú demonstrou ter com relação à mudança de comportamento de sua sogra, mãe de Bentinho, em relação aos três: Capitú, Bentinho e Ezequiel. Se antes, quando a criança ainda era pequena, ela os recebia em sua casa com alegria, com o passar dos anos e o consequente crescimento do menino, ela se tornara, pouco à pouco, arredia e distante, a evitar estar na companhia dos três . Será que existe dôr maior, mais intensa, mais corrosiva que a dôr da traição? Ao ver sua vida e o que ele havia construído com tanta dedicação desmoronar lentamente, ao constatar que a mulher que amava mais até que a própria vida o havia traído da maneira mais sórdida, mais vil possível, Bentinho pensou em morrer, em matar-se. Pra ele a vida não tinha mais sentido, não valia à pena continuar vivendo. Se não o fez, foi por achar que Capitú precisava sofrer uma punição, de alguma forma pagar pelo mal que lhe fizera. O que Bentinho não sabia, ou não queria se conscientizar, é de que ele já era um homem morto, um homem sêco, sem ilusões, pois, com a descoberta da traição, Bentinho tinha deixado morrer dentro de sí o amor, a capacidade de se dar, de se envolver, de partilhar. Que pena eu sentí do Bentinho! Se antes ele era uma pessoa sensível, emotiva, generosa, a traição o transformou num homem desprovido de sentimentos nobres, que foi capaz de deixar de amar Capitú com a mesma intensidade com que a amara, que recebeu a notícia de sua morte com indiferença, sem nenhuma emoção, sem nenhum sentimento, incapaz de sofrer. Alguns livros foram escritos baseados na história de Bentinho e Capitú, do triângulo amoroso que se formou entre ela, Bentinho e Baltazar. Algumas vozes se levantaram em defesa de Capitú, condenando as atitudes de Bentinho e o seu julgamento ante a aparência física de Ezequiel. Não cheguei a lêr nenhum desses livros, mas creio que ficou por demais evidente que houve realmente uma traição, um filho e a mãe natureza entre eles a provar a impossibilidade de coincidência, a mostrar o pai renascendo na figura do filho, aos poucos, mas de uma maneira tão clara, que levou Capitú a esconder o retrato de Baltazar para que Ezequiel não o visse e se reconhecesse nele...

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